Perdoem-me se vos maço, mas ... estou a reviver!
2ª História

Dirigia-me para uma turma do 8ºano, da qual iria ser, além de professora de matemática, também Directora de Turma.
ERA A 1ª VEZ …
Tinha uma enorme vontade de me mostrar tal qual era e partilhar com os alunos os meus objectivos e planos de vida.
Seria seguro fazê-lo de qualquer forma ?
Seria acertado confrontá-los com a “minha primeira vez”?
De repente estava à porta de um anfiteatro. Esperava pacientemente que a funcionária viesse abrir a porta e entregar-me o livro de ponto (era assim na altura ).
O barulho que se fazia sentir quando cheguei, transformou-se em murmúrio e 31 rostos se fixaram em mim.
Confesso que estava gelada, mas pelo que constatei depois ao longo do tempo, tinha conseguido disfarçar bastante bem.
Pedi-lhes que entrassem em silêncio e se sentassem .
Folheei o livro de ponto e como sumário desta primeira lição ditei:
Olá! Eu sou …
Expliquei com a maior segurança que encontrei, o que representava para mim esta frase. Ela pretendia dizer que nesse dia nos iríamos Apresentar, ou seja, que seria uma forma simples, objectiva e honesta de nos conhecermos mutuamente e de definirmos as nossas prioridades, na relação professor/aluno.
Disse-lhes quem era, revelei-lhes mesmo ser o primeiro ano que leccionava, que tentara outras profissões, sem sucesso, porque apenas gostava de privar com jovens, partilhar e transmitir-lhes os meus conhecimentos.
Assumi que teria inicialmente alguma falhas e dúvidas, mas que procuraria, quando isso acontecesse aprofundar os meus conhecimentos e dar-lhes sempre que possível as respostas certas às suas interrogações.
Pedi-lhes depois que me dissessem para além dos seus nomes, a forma como gostariam de ser tratados e os seus objectivos futuros de vida.
Depois de ouvir muitos “ Luís, Nuno, Isabel, Carlos, Médico, Engenheiro, Professora, Dona de casa …” alguém me surpreendeu quando disse ser o “Senhor Pereira”, e que gostaria de ser actor.
Muitos foram os que se riram, mas a turma emudeceu quando lhe pedi que explicasse as suas escolhas.
Disse então que era o filho mais velho de 6 irmãos e que desde os 8 anos tinha a seu cargo o tratamento deles, porque os pais trabalhavam longe e saíam cedo de casa.
Mais ainda … o pai falecera de acidente há 5 anos.
Com um semblante muito sério e compenetrado continuou:
- Não acham que já tenho direito a que me chamem senhor? Não tive outros brinquedos que não fossem bonecos de carne e osso.
- Há muitos “senhores” de verdade que não sabem como se muda uma fralda e se faz de comer.
Quando lhe perguntei o que queria ser no futuro respondeu:
- Lá querer queria ser actor, mas como não há dinheiro vou mesmo para moço de trolha que foi aquilo que o padre disse quando ao baptizar-me me deitou a água na testa.
Todos, ele próprio sorriu, mas completou com o seu ar compenetrado:
- Só uma coisa … Ai isso vou … Vou procurar ser feliz !
Fez-se silêncio na sala e a partir desse dia ele foi sempre para mim, para todos os professores da turma e colegas o “Senhor Pereira”, que acumulava simpatia, responsabilidade, amizade e como mais tarde se veio a constatar, uma tendência fora do normal para representar.
Perdi-lhe o rasto…
Era um dos alunos - hoje provavelmente com 46 anos - que eu gostava de reencontrar.
Esteja ele aonde estiver que SEJA FELIZ!