quinta-feira, 19 de março de 2009

18ª HISTÓRIA/ABORDAGEM

Perante a dificuldade que existia nesta altura de efectuar o estágio no ensino secundário, no Ano 81/82 fiz uma opção. Concorri ao ciclo preparatório e fui pela primeira vez dar aulas a crianças entre os 10/13 anos.
Isto aconteceu na Escola Preparatória de Famalicão.

Muito melhor preparada interiormente, “mais crescida” e com uma enorme vontade de continuar o meu sonho, rumei a esta cidade no dia 1 de Outubro.

Deparei logo à entrada com uma antiga colega de curso – a Arminda – com quem me dei sempre muito bem. Se já ia com um alto astral, melhor fiquei porque me senti em terra conhecida.
Não foram necessárias muitas horas, para verificar que tive muita sorte, pois tudo à minha volta parecia “material” de primeira.
Ressalvo nesta apreciação, o edifício escolar, que mais não era que um conjunto de pavilhões pré-fabricados, em péssimo estado de conservação, sem ligação entre eles e um pavimento deplorável.
As pessoas, na sua maioria professores e funcionários efectivos, da própria localidade, eram extremamente simpáticas, alegres e com um poder de acolhimento acima do normal. Senti-me em casa e com uma enorme vontade de trabalhar, inovar e aprender.

Para que melhor se compreendam as histórias sguintes vou caracterizar um pouco esta zona geográfica

Famalicão era então uma zona industrial, misto rural, onde as famílias tinham normalmente bastante dinheiro, reduzido grau cultura e poucas perspectivas de futuro.
Os alunos eram o reflexo desta simbiose.
De uma maneira geral ou eram filhos de industriais ricos, a quem nada faltava a não ser a vontade de saber mais e aumentar a sua cultura de base, ou eram filhos de pessoas com menos possibilidades, rurais ou empregados fabris, a quem também os estudos pouco ou nada diziam. O que se notava na maioria era a vontade de terminarem depressinha e de qualquer maneira o 2º ano para irem trabalhar.
Resultado,…as turmas compostas por 32 alunos, na sua maioria desinteressados e com pouquíssimas bases culturais.

Alguns dos alunos, sossegadinhos, educadinhos, mas … pouco mais.

Outros, fiusas, malandrecos, afoitos e completamente desinteressados.

Salvava-se meia dúzia que realmente tinham aproveitamento e a quem dava gosto ensinar.

Mesmo assim, porque o grupo de professores era muito coeso e trabalhava em conjunto e a escola era liderada por um Conselho Directivo, homogéneo, com regras, valores e sobretudo uma grande noção de justiça e autoridade, conseguia-se fazer com que as aulas decorressem com uma determinada normalidade e o sucesso acabava por ser adequado, mas ligeiramente superior, às perspectivas bem vincadas dos Encarregados de Educação e da Comunidade Educativa em Geral.

Cada professor, dentro da sua sala de aula era livre de inovar e de assumir posturas aparentemente não consentâneas com o ”normal” com o “pedagogicamente correcto”, desde que justificasse muito bem perante o grupo as experiências que fez, os resultados que obteve e o sucesso educativo que provocou.
Ninguém era criticado apenas pelo prazer da crítica e todos se sentiam à vontade para “errar”, porque o grupo não espezinhava, mas pelo contrário ajudava a encontrar o caminho certo.
Às vezes encontrava-se …

EPISÓDIO 23
Nessa altura tinha eu uma carrinha Peugeot Azul escuro, renforcé, de 7 lugares.
Passou a ser o “autocarro docente vindo do Porto”.

As ocupantes habituais no todo eram 9 e o carro só comportava 7 pessoas. Por vezes, de acordo com os horários, íamos realmente só sete, mas a grande maioria das vezes íamos oito. Era sabido que nestas circunstâncias, nos locais mais problemáticos onde costumava aparecer a polícia, uma se deitava no colo das outras para não ser vista.

As conversas sucediam-se em catadupa, animadíssimas, mesmo que o assunto fosse menos alegre.
Recordo-me que uma vez, uma das colegas entrou no carro a chorar copiosamente porque tinha tido um aborrecimento com o marido. Começou a desabafar, mas fê-lo de tal maneira que as gargalhadas dentro do carro eram tantas, que a dada altura tive que parar porque tinha os olhos completamente rasos de água. Escusado será dizer que a própria acabou por se rir, desvalorizar o aborrecimento e entrar na brincadeira.

Uma outra colega tinha problemas depressivos grandes e quando estava nas piores fases, sentia-se sempre a coitadinha e todas as conversas que tivéssemos convergiam (segundo ela) sempre na sua pessoa com o intuito de a inferiorizar.
Decidimos que não seria isso a importunar-nos e combinámos que quando ela começasse a “pegar” com um assunto, uma de nós mudaria de imediato para outro. Isto acabou por ser um jogo e ganhava aquela que conseguisse introduzir o tema menos controverso.
Tenho pena de não me recordar, mas garanto que era um desafio à imaginação e criatividade, mas que gerava muita diversão.

Sei que nesses anos, que a colega andou connosco, foram os únicos da carreira em que não teve que meter atestado prolongado por depressão.
Infelizmente hoje, sabemos que foi reformada compulsivamente e que nunca fez nada da sua vida, nem mesmo no plano familiar.

Outra das colegas era já uma “Senhora”. Muito mais velha que cada uma de nós, solteira e endinheirada. Tinha muitas e variadas jóias, que exibia com prazer, mas sem vaidade. Sentia uma enorme alegria quando alguém gabava o seu espólio.
Apresentava-o, tal como nós casadas e mães, apresentávamos as fotografias dos nossos filhos. Para cada uma das jóias havia sempre uma história de família, por vezes alegres, mas geralmente muito emotivas.
Achámos que, tal como tínhamos o direito de falar sobre as nossas “jóias”, também ela o deveria fazer, sem receio de ser apelidada de snob.

Nesta altura começou a gerar-se no país um movimento de assaltos, sobretudo a objectos de valor.

Aconselhámos a colega a deixar de trazer as suas jóias, mas reparámos a tristeza que isso lhe provocava. Então um dia lembrámo-nos de lhe dizer que trouxesse cada dia apenas uma, embrulhada e bem guardada na carteira, e que a colocasse ao chegar à escola. Mais lhe propusemos que em dias de festa, trouxesse mais do que uma e à entrada cada uma de nós ficaria responsável por exibi-la.

Parece estranho, não parece?

Pois é! Este grupo teve sempre a capacidade de ler e compreender os sentimentos e necessidades dos outros e de fazê-los ressaltar de modo a “Criar Felicidade”.
Esta Senhora que, diziam as antigas colegas, era fechada, antiquada, por vezes até pouco simpática, abriu-se e tornou-se carinhosa, preocupada com os outros, alegre, de tal forma que os alunos admirados com a mudança, inventaram que a Drª Natália ia casar-se …

Sim, isto era prática comum … Se um professor faltava por uns dias, ou mudava de comportamento, logo aparecia a circular na escola um boato … “O professor morreu” ou “vai casar-se”, ou separou-se do marido” ou ….

Outra das colegas, a Rosário, era a boa disposição feita gente. Ela arranjava sempre durante a viagem motivos para diversão. Digo, durante a viagem, porque depois no desempenho da sua função era extraordinariamente cumpridora, rígida e até intransigente com os alunos.
Aliás, todo este grupo tinha esta particularidade e daí ter-se tornado notado e querido na Comunidade Educativa, por quem todos nutríamos também uma enorme simpatia e respeito.

O Presidente do Conselho Directivo, pessoa muito correcta, bem-disposta, mas exigente, chegava a fazer o seguinte:

Sabia que íamos do Porto e que chegávamos sempre a horas, portanto quando havia um atraso, de imediato procurava informar-se se tinha havido algum acidente na estrada e se fosse esse o caso, procurava introduzir os alunos nas respectivas salas que ele ia controlando e quando nós chegávamos tínhamos o livro de ponto em cima das secretárias para que não perdessemos tempo.
Isto demonstra bem, não apenas a exigência, mas a consideração pelos colegas. Terei aqui que voltar a referir que nesta altura ainda não havia auto-estrada e a estrada nacional era extraordinariamente movimentada, perigosa, sendo raro o dia em que não encontrávamos um acidente.
Saíamos do Porto sempre com 1h30min de antecedência.

E posto isto ...

9 comentários:

ematejoca disse...

What the Robin Told

The wind told the grasses
And the grasses told the trees.
The trees told the bushes,
And the bushes told the bees.
The bees told the robin,
And the robin sang out clear:
Wake up! Wake up! Spring is here!
~ author unknown

Beijinho primaveril, Licas!

ARTISTA MALDITO disse...

Bom Dia Isabelinha

VIVA A PRIMAVERA!

Pelas colinas sorriem as mimosas
Tal me dizem das suas cores viçosas
Um jardim de estrelas ardentes
Onde na relva a luz da aurora
Perfuma os cabelos em boa hora
E a Primavera de flores a deslumbra.

Beijinhos alegres
Isabel

BC disse...

Licas!

A gaivota na praia se aninhou
a cotovia no beiral poisou
..............................
O sol chegara também
e em abraços fraternos
de braços abertos.
.............................
todos comemoravam
a chegada prevista
de uma Primavera já anunciada.

Beijinhos cheios de flores e sorrisos primaveris
Isabel

gisela disse...

ESTOU NUMA FASE DA VIDA EM QUE TUDO PARA MIM É INVERNO...SINTO-ME CONFUSA, NAO PERCEBO O QUE SINTO,COMO TENHO NO MENSSEGER, SINTO O QUE NAO QUERO,E NAO QUERO O QUE SINTO... BJS GISELA_LUZ@HOTMAIL.COM

Tite disse...

Olalá!!!

Não posso crer Gisela, que as histórias da Licas não te tivessem elevado a boa disposição.

Então vai para a Rua aproveitar o Sol que te encherá de FORÇA e ENERGIA.

Talvez não tenhas visto, a Prima Vera acaba de chegar!!!

Beijos para ti e para a Licas que certamente também irá tentar animar-te.

Anónimo disse...

Mais uma história em que fica o suspense :P. Fico à espera pela continuação... Finalmente, depois de uma semana cansativa, tive tempo de actualizar o meu espaço, e desta vez um post dedicado ao meu pai! Beijinho grandeee

Maria Bettencourt Lemos disse...

Olá Licas,
Agradeço a sua visita e simpatia das suas palavras, muito obrigada!!!
Parabéns pelo seu blog que acho extremamente interessante!
Um abraço para si e optimo fim de semana,
Maria Lemos

Maria Emília disse...

Será com o maior gosto que receberei as suas visitas. Temos quase a mesma idade, os mesmos anos de casamento, o cabelo louro que agora está a ficar acinzentado. Tenho 3 filhos. A mais velha martiu com 18 anos e a sua morte abriu o meu coração para a vida. Este blog não é para falar desse assunto por isso lho conto aqui. Fundei a Associação A Nossa Âncora Apoio a Pais em Luto, para acompanhar pais que perderam seus filhos.
Com este blog quero transmitir toda a minha experiência de tantos anos de partilha.
Um grande abraço,
Maria Emília

Maria Emília disse...

Minha querida amiga,
que bom saber que de alguma forma pude ajudar alguém. Não tenho dúvidas que temos muito para dar uma à outra e a todos os que quiserem receber o muito que temos para dar. E não há coincidências. Nada acontece por acaso.
Aqui, neste blog procurarei falar da vida que conheci através da morte. Naquilo em que firmemente acredito e na importância do encontro com o nosso eu interior.
Um grande abraço,
Maria Emília