sábado, 7 de fevereiro de 2009

5ª HISTÓRIA

Até que um dia ...
Assim acabei a história anterior


Até que um dia...
Dirigia-me à sala dos professores, quando fui abordada um tanto violentamente por uma aluna que me perguntou:
- Professora, que fazia ao seu pai, se ele no dia dos seus 17 anos não a deixasse ir ao cinema com os amigos ?
_ Talvez, respondi-lhe, procurasse saber as razões que o levam a não permitir uma saída dessas e depois quem sabe, negociasse com ele outra hipótese que fosse agradável para ti (presumo que és tu que fazes 17 anos ) e na qual ele também não visse inconveniente.
A rapariga ficou como que eléctrica e disse: “É por essas e por outras que a minha mãe e a irmã se suicidaram”.
Fiquei apavorada! Pedi-lhe que esperasse um pouco enquanto pousava os meus livros na sala dos professores para depois podermos continuar a conversa.
Quando entrei na sala, vem uma colega ter comigo e pergunta-me se a aluna com que eu estava a falar no corredor me tinha pedido algum tipo de ajuda.
Contei-lhe por alto o sucedido e a minha colega disse-me que não demorasse a ir ter com a aluna, porque no ano anterior uma irmã tinha também solicitado ajuda a uma colega nossa. A professora que entendeu não ser essa a altura propícia para o fazer disse-lhe:
- Hoje tem paciência, mas tenho mais em que pensar. Estou muito cansada!
A aluna não respondeu, meteu-se no eléctrico até ao Castelo do Queijo e foi suicidar-se num rochedos próximos do mar.
Imaginam o que senti ? Corri o mais depressa que pude e lá estava a Mariana à espera da minha resposta.
Que dizer-lhe ? Como iria reagir ? Lembrei-me de lhe perguntar:
- Em vez de ires ao cinema por acaso não te apetece ires jantar fora com alguns amigos?.
- Se o teu Pai permitir e se tu entenderes, nem me importo de vos acompanhar.
- Acha Senhª Drª que aquele homem (o pai) vai consentir numa coisa dessas ?
- Porque não experimentas ? Sugeri.
Continuava revoltada e não se atrevia a telefonar-lhe.
Tive que ser eu mesmo a fazê-lo. Disse-lhe que alguns alunos gostariam de a acompanhar naquele dia e que eu e o meu marido iriamos com eles.
Pedi-lhe ainda que no dia seguinte viesse falar comigo porque gostaria de ponderar uns asuntos.
Lá fomos ao cinema , depois trouxemo-los até nossa casa ouvir um pouco de música e só mais tarde a levamos a casa.
Julgamos … “Uma vez não são vezes...”
Julgamos mal.
No dia seguinte o Pai estava em nossa casa, tal como tinha sido combinado, para nos contar o seu desalento e sobretudo o trágico suicídio da mãe e da irmã da Mariana. O primeiro, nada levava a crer que acontecesse, ocorreu mesmo na véspera da partida de toda a família para férias.
Após arranjarem as malas, a mãe disse aos filhos que ouvissem o que quer que fosse, não entrassem no seu quarto
As crianças ouviram realmente um estrondo, mas ficaram à espera do pai para que com ele verificassem o que se tinha passado dentro desse quarto.
Não preciso sequer de descrever a cena e as imagens que teriam ficado naqueles jovens.
Depois … Um ano depois foi a irmã mais velha, como já acima referi.
O Pai vivia apavorado porque tinha a certeza que aconteceria o mesmo com esta e quem sabe com os outros três mais novos.
Os filhos, segundo ele, pretendiam “castigá-lo” pela morte da mãe (era a versão que a família da mãe, que vivia em Coimbra lhes incutia).

A história que eu e meu marido ouvimos na nossa sala de estar foi tão dramática que eram 3h da manhã estava o meu marido com uma gravíssima enxaqueca, refugiando-se na casa de banho a vomitar. Eu, para não ser indelicada apenas transpirava desmesuradamente e procurava ouvir o senhor que ora chorava ora ria, mas que abandonou a nossa casa às 6h da manhã.
Prometi cuidar o melhor possível da filha e o Senhor disse-me que faríamos então o seguinte: - Logo que ela saia de casa eu telefono e a Senhora professora espera-a à porta da escola e leva-a para a sala. Nos intervalos ou a deixa ficar fechada numa sala ou permite-lhe que a acompanhe.
À saída fazemos precisamente o inverso até arranjarmos outra solução.
Acho que foram os piores dias da minha vida. Deixei quase de ter vida própria. Tive a sorte de ter o meu marido a apoiar-me.
Eram noites e fins de semana a passear com a menina e a tentar “fazer-lhe a cabeça”.
Acompanhei-a a um Psicólogo. Ajudei-a a interpretar os seus conselhos.
Vivemos esta angústia talvez durante dois meses.
Um dia estávamos a jantar. Toca o telefone. Era o pai a dizer que ela não chegou a casa e que lhe tinham dito que a viram passear junto ao Castelo do Queijo.
Lá fomos nós – Circunvalação abaixo – voando.
Quando chegamos ao Castelo do Queijo começamos a andar com o carro o mais lentamente possível, olhando para todos os lados, apontando os faróis bem acesos em todas as direcções e Mariana nada. Reparamos isso sim que se passeavam muitas prostitutas por ali e a certa altura também … um carro da polícia.
Pouco depois avistámos a Mariana junto ao castelo!
Estacionamos e fomos no encontro dela chamando-a. Nós muito aflitos nem demos pela chegada da brigada policial que nos pedia a identificação.
Foi complicado! Com a pressa de sairmos, tinha-me esquecido dos documentos. Os guardas não acreditavam na nossa história e não fosse um pouco de bom senso que aflorou à cabeça da Mariana, hoje já poderíamos contar o que é passar um noite atrás das grades. ( A polícia julgou que andávamos a apoiar a prostituição)
A Mariana veio ao nosso encontro. Disse ao agente que apenas se tinha aborrecido com o Pai e que tinha vindo até ali para arrefecer a cabeça. Disse ainda em que escola andava e que eu era a Directora de Turma.
Trouxemo-la para casa. Alimentamo-la e depois chamámos o pai para vir buscá-la. Como não fosse possível, decidimos que ela ficaria connosco nessa noite.
Acham que dormi ?
Coloquei um cobertor no chão junto do quarto dela e deitei-me ali porque temia que fugisse de novo.
De manhã quando o pai chegou, dissemos-lhe que não tínhamos disponiilidade para tão grande responsabilidade e que a partir desse momento entendíamos que o seu lugar seria efectivamente em Coimbra em casa da avó materna ( que era afinal quem a desorientava em relação ao pai ), para onde ela queria ir, ou então que teria que ser o Pai a assumir as consequências.
Esteve um tempo sem aparecer!
Temi o pior, mas mantive-me, porque tive receio que a minha preocupação exagerada fosse estragar algo que em família estivesse a ser resolvido.
Assim foi!
O Pai desesperado levou a Mariana a Coimbra e deixou-a por completo à responsabilidade da família materna.
Um ano depois vi-a a jantar muito bem disposta com o Pai na Cufra - Porto, o que poderia então querer dizer uma de duas coisas: ou que regressou à casa paterna depois de se ter convencido que a história menos verdadeira era a Coimbrã, ou que conseguiu apesar de habitar em Coimbra, viver mais em Paz e aceitar as duas famílias.
O suicídio seria contudo congénito, porque soube mais tarde que um irmão que se encontrava num colégio do Porto, se suicidou com um lençol da cama aos 16 anos.

6 comentários:

ARTISTA MALDITO disse...

Meu Deus Licas

Que drama familiar este. Hoje nem era para comentar, resolvi tirar umas férias, mas fiquei tão tocada por esta história. Há muito sofrimento escondido, muito desespero.

Beijinhos
Isabel

Fátima André disse...

Que vidas e que dramas vão acontecendo por esse país fora...
Eu de quando em vez também me dou com umas histórias de vida assim meio complexas.
Agora recentemente fui nomeada Tutora de um miúdo de 10 anos que diz que quer morrer porque ninguém gosta dele. Também sinto o peso da responsabilidade de procurar incutir-lhe o gosto pela vida.
Tenho esperança!
Um abraço e bom fim de semana.

Anónimo disse...

Bem...que história dramática!!! Há realmente histórias de Vida por aí...que ninguém imagina.
Beijinho e bom fim de semana

Luna disse...

Não é fácil comentar a vida nem a morte, mas existem tantos caso de sofrimento no mundo, e por vezes é tão difícil o sabermos lidar
beijos

ematejoca disse...

Olá Licas!
Acabei de ver na TV o filme Caravaggio, que era muito bom, mas bastante forte.
Resolvi vir até ao seu blogue, porque li um comentário seu na Teté. E o que encontrei, uma história ainda mais dramática do que o filme.
Sabe ainda alguma coisa da Mariana?
O suicídio é uma coisa terrível!
Mas não há culpados - também sou da opinião, que é congénito.

Boa noite e bom fim-de-semana, Licas, e espero que a próxima história seja mais alegre.

Teté disse...

Estas histórias de suicídios são sempre dramáticas. Os que ficam culpabilizam-se a si próprios ou a outros e é difícil recuperar um mínimo de harmonia familiar. E o medo que se repita está sempre latente.

Não sei se será congénito, mas a tendência para a depressão parece-me que sim. E ambientes familiares desses são muito complicados, ainda mais quando há adolescentes em fases de vida instáveis e de grande insegurança.

A Mariana teve sorte, infelizmente não acontece com todos...

Beijinhos!