sábado, 28 de junho de 2008

ESCOLA OU FAMÍLIA A TEMPO INTEIRO???

O texto seguinte dá pelo menos para pensar e se calhar até, podermos tecer sobre ele algumas considerações.

Qual a vossa opinião?

"Por vezes é necessário abandonarmos o carreiro simples, mas estreito, do politicamente correcto e da sabedoria convencional, dos chavões adquiridos, das frases feitas e tentar pensar as coisas de outra forma, olhando-as de um novo ponto de vista.

A Escola a Tempo Inteiro é apresentada como uma grande conquista da acção deste Governo, deste ME, aplaudida pela Confap actual e por diversos opinadores (preo)ocupados com a situação das crianças, cujos pais não conseguem acompanhar devidamente e, por isso, devem ser deixadas mais de 10 horas 'nas mãos' (não gosto da expressão por uma multiplicidade de razões) do(a)s professore(a)s.

É um excelente exercício de spin sobre a admissão clara de um fracasso do Estado Social e a demissão de quem representa as 'famílias' de efectivamente as defender pela via certa que deveria ser a da 'Família a Tempo Inteiro' ou, no mínimo, a 'Família a Meio-Tempo'.

Porque parece que as coisas mudaram de lugar e a lógica se retorceu por completo neste país, nestes tempos. Com que então a Escola a Tempo Inteiro é uma grande conquista social? Porquê?

Não seria antes uma conquista ter-se conseguido desenvolver o país para que as 'famílias' pudessem dispor de condições para estar perto dos seus filhos todo o tempo possível?

Conheço algumas pessoas a trabalhar em países consensualmente tidos como mais avançados do que Portugal, leia-se, Norte da Europa ou mesmo Costa Leste dos EUA.

Curiosamente, nesses países a Escola a Tempo Inteiro, em particular a Pública para os mais novos, não existe em muitas zonas e esse é um sinal do progresso dessas sociedades.

Porquê?

Porque existe uma efectiva protecção social à maternidade, que permite que as mães fiquem - se assim o quiserem - os primeiros anos de vida do(a)s seus(uas) filho(a)s em casa sem perda do posto de trabalho e vencimento. Porque os horários de trabalho são flexíveis, não para obrigar mães e pais a voltar a casa tardíssimo, mas para que possam recolher os seus filhos às 2 ou 3 da tarde, no máximo.

Porque se atingiram estados de desenvolvimento económico e protecção social inimagináveis para nós e que, mesmo em retrocesso, ainda estão muito à nossa frente.

Por isso, a Escola a Tempo Inteiro é apenas algo que se destina a apaziguar as 'famílias' que, cada vez mais, são obrigadas a trabalhar em condições mais precárias e vulneráveis. Que não podem faltar, sob pena de perda do posto de trabalho no final do contrato. Que são obrigadas a cumprir horários incompatíveis com uma vida familiar harmoniosas. Numa altura em que, cada vez mais, as famílias são menos do que nucleares.

A Escola a Tempo Inteiro é um óptimo contributo para todos os empresários e empregadores que defendem a desregulação - pelo abuso - do horário de trabalho dos seus empregados. Se é isso que vai desenvolver o país? Abrindo mais umas dezenas de centros comerciais para as 'famílias' tentarem desaguar as frustrações ao fim de semana?

Quem defende as 'famílias' deveria defender, em coerência com os seus princípios, que o Estado protegesse a vida das ditas 'famílias' a partir da melhoria das suas condições de vida. A defesa da Escola a Tempo Inteiro é a admissão de um fracasso, de uma derrota e não o seu contrário.

Eu, por exemplo, preferia viver num país com horários de trabalho que permitissem que os encarregados de educação dos meus alunos pudessem comparecer na escola num horário de atendimento civilizado e não em reuniões pós-laborais para todos. Gostaria de eu próprio não depender da Escola a Tempo Inteiro se o pudesse evitar.

Mas não. O Portugal Socrático, moderno e tecnológico, é um país falhado, com uma sociedade fragmentada e crescentemente fracturada e desigual. E o projecto democrático europeu dos últimos 20 anos - desde a adesão à CEE que trouxe fundos em forma de chuva grossa e os trará até 2013 - foi um projecto que falhou em tornar um país mais coeso, mais solidário, mais avançado em termos de conquistas sociais, só possíveis se o resto tivesse funcionado. Mas não funcionou. Ou funcionou apenas para alguns. Que são os que têm acesso a uma voz pública em nome do seu sucesso. E que depois palpitam sobre o tudo e o nada, sobre o que conhecem e desconhecem. Que têm serviçais para tratar das coisas chatas como ir buscar os 'puto' à escola. Que só fazem por desfastio, em muitos casos.

As 'famílias' comuns, essas, na sua grande maioria, podem olhar para a Escola a Tempo Inteiro como uma válvula de escape, uma almofada que amortece um maior choque da sua vulnerabilidade, mas é apenas isso mesmo, um estratagema para tornar um pouco mais suportável o que deveria ser visto como insuportável e intolerável.
A Escola a Tempo Inteiro é um projecto de sucesso se assumirmos que entre nós o Estado Social falhou irremediavelmente.
A Família a Tempo Inteiro, isso sim, teria sido uma enorme conquista e a marca do sucesso de um Portugal desenvolvido."

3 comentários:

didium disse...

Só com mais apoio da família os jovens se sentirão apoiados, ouvidos e muito mais serenos.
Muitos alunos vêem-nos como se fossemos parte do papel maternal/paternal, e isso acontece inúmeras vezes.
Tenho alunas que me fazem confidências, incapazes de as fazer às suas próprias mães. É triste! Mas vistas bem as coisas, os alunos estão o dia inteiro na escola... A quem recorrer?
Do blog "Ler é viver"

didium disse...

Também concordo com a apreciação que colocou no meu blogue.
Estou na profissão que escolhi, o que não deixa de ser um privilégio.
Mas, certo é, que há muitos pais que se redimem do seu papel de educadores.É pena!

Anónimo disse...

É triste esta realidade: somos por força das circunstâncias obrigados a abdicar do acompanhamento dos nosso filhos em função do nosso trabalho. É triste este dia-a-dia que obriga que pai e mãe trabalhem todo o dia fora de casa e que a única recompensa seja sentir o peso na consciência e a revolta, a sensação do tempo passar e os nossos filhos seguirem com ele sem nós. É uma das minhas maiores revoltas e preocupações. Sinto o meu filho algo desamparado. É criança, agora que ele mais precisa de mim... Por isso agradeço quando, na escola, ele encontra na professora ou educadora um ponto de abrigo, um certo apoio e alguma segurança. Já que durante o dia não o pode receber de mim, ao menos que alguém lhe possa dar o que eu não posso.