Era o dia 9 de Fevereiro de 1981.
O meu filho fazia 10 anos.
Eu raramente faltava às aulas, mas no dia do seu aniversário costumava fazê-lo.
Porém desta vez era impossível porque às 14h30min tinha uma reunião à qual não podia nem devia faltar.
Para minimizar o facto de não poder dedicar-lhe a atenção costumada, disse ao miúdo que convidasse um amiguinho para almoçar.
Levei-os até Famalicão, não sem previamente me ter aconselhado com as colegas da terra, sobre o restaurante mais aconselhável para eu ir com as crianças.
Assim, perto das 12h30min, entramos no restaurante e pedimos o prato característico desta região - Rojões à Moda do Minho - muito apreciado pelos três.
Serviram-nos muito bem e rapidamente, tal como eu tinha solicitado e a conversa fluiu agradável e alegre.
Quando chegou a hora de pedir a conta a empregada disse-me que o almoço estava pago.
Perguntei como, mas a senhora recusava-se a dizer.
Respondi que não aceitaria porque não costumava fazê-lo de pessoas desconhecidas. Depois de muito insistir, ela chamou uma colega, que de uma forma muito educada e até submissa me disse que eu era a Directora de Turma da filha e que tinha o maior gosto em presentear-me.
Reagi negativamente, mas a senhora não desarmava, deixando-me completamente embaraçada com a sua insistência.
Por vergonha condescendi.
Perguntei-lhe propositadamente e só nessa altura, quem era a menina. A Mãe disse-me ser a Maria José do 6º F e perguntou-me qual o seu desempenho nas aulas.
Respondi-lhe que dentro da turma fraca em que se inseria, até podia considerar-se o seu aproveitamento satisfatório, mas que teria de continuar a estudar e modificar o seu comportamento agressivo e por vezes um tanto desajustado.
- Posso dizer que esta aluna era sensivelmente mais forte que os outros alunos, vestia sempre de ganga e usava o cabelo extremamente curto.
A linguagem era um tanto ... forte e as atitudes por vezes muito exageradas.
Agradeci mais uma vez à mãe e saí.
Mal cheguei à escola contei o sucedido à colega do C.Directivo que me tinha indicado o restaurante e ela tranquilizou-me, dizendo que as pessoas de Famalicão gostavam muito de presentear os professores o que não queria dizer que estivessem a pressioná-los em benefício dos filhos.
Sosseguei!
Passados uns dias, comecei a notar que o comportamento da Maria José, se alterou para pior e que não estava a acompanhar a matéria como até aí.
Chamei-a por diversas vezes, verifiquei os trabalhos de casa e conclui que algo se passava.
Repreendi-a e disse-lhe que a continuar assim iria certamente baixar as notas e se arriscaria a reprovar.
Todos se sorriram e eu perguntei porquê.
Um rapaz, mais destemido, disse que ela andava a comentar com os colegas que não valia a pena estudar ciências e matemática, porque a mãe tinha oferecido um almoço à professora e ela (eu) agora não tinha coragem de a reprovar.
Muito zangada disse-lhe: Olha Maria José, se é isso que pensas estás muito enganada, porque a partir de agora ainda vou exigir mais de ti e se não corresponderes podes ter a certeza que te chumbo.
Ela sorriu-se em descrédito e continuou a manter mesma postura.
No 2º período ainda manteve o 3 a ciências, mas baixou para 2 a matemática. Chamei a mãe, contei o que se passou e repeti-lhe exactamente o que tinha dito à filha.
A senhora com a mesma humildade e compostura, agradeceu-me que o fizesse porque ela era uma menina muito rebelde e precisava de uma lição.
Claro que tentei tudo por tudo para não levar por diante esta decisão, mas a miúda desafiou-me até ao fim e o inevitável aconteceu.
No final do ano teve negativa a matemática, ciências e português, o que a levou a ficar retida.
Custou-me muito, mais pela mãe do que por ela, mas a minha consciência não me deixou dúvidas.
Mais infeliz fiquei, quando no ano seguinte soube, que ela tinha abandonado de vez a escola e era então empregada do referido restaurante.
Ainda há mais outro episódio com esta aluna, mas ficará para outra vez...
5 comentários:
Gosto muito de ler as tuas histórias, Licas.
Pensei sempre, que a minha amiga professora era tão agarrada e amiga dos alunos por ser solteira e não ter filhos. O que não é o teu caso ___ e mesmo assim tu tens a mesma amizade por os alunos como ela.
Dia feliz!
Licas já vim aqui várias vezes, mas não consegui entrar porque as letras não apareciam, e não foi só no seu.
Estou a escever vamos lá ver se agora passa.
Mais uma história de uma aluna que seguiu um destino que estaria marcado e não por culpa da nota amiga.
Hoje mais descansada vou dando umas voltitas curtas.
Beijinhos
Isabel
ola amiga licas. passei para uma visita.esta td na msm e eu continuo com a minha neura,nao tenho remedio... bjinhos
Pois é, a mãe ofereceu o almoço por gentileza, a miúda assumiu que com isso tinha "comprado" a professora...
Os miúdos (e às vezes até os adultos) tem uma certa tendência a tirar conclusões precipitadas!
Beijinhos, Licas!
Licas,
Cada vez gosto mais de ti.
Eu actuaria exactamente como tu.
Chamam-me muito intransigente mas acho que na educação da crianças e adolescentes eles precisam de ter em devida conta e bem marcadas as situações de justiça.
As marcas ficarão para sempre nos seus corações. Se forem bem formadas mais tarde irão lembrar-se destas passagens da sua vida e valorizá-las-ão
Abraços
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