quarta-feira, 22 de abril de 2009

20ª HISTÓRIA

Ainda se recordam que há uns tempo, vos estava a contar algumas histórias passadas durante o período em que leccionei?

Poi é ... Estavamos em 1982

A zona de Famalicão caracterizava-se por ter muitos agricultores, sendo que a maioria deles fabricavam o seu próprio vinho. Não era raro aparecerem-nos logo de manhã crianças, com um certo “grãozinho na asa”.
Claro que este facto ocasionava situações de mau comportamento, alguns deles graves e impróprios para a idade.

Lembro-me de um, que felizmente acabou bem, mas que poderia ter tido graves consequências.

Num intervalo, estavam uma seis ou sete miúdas a jogar ao elástico – brincadeira muito em voga nesta altura – Consistia em darem saltos sobre uns elásticos que duas colegas iam colocando sucessivamente mais altos.
Encostados às paredes das salas de aula estavam os coleguitas a vê-las jogar.
Algumas traziam saias que subiam e desciam com os saltos deixando as pernitas e por vezes as cuequitas à mostra.

Nesse dia, porque tinha chuvido, alguns dos rapazes, estavam com guarda-chuvas.

A dada altura, um deles salta do lugar em que está e completamente excitado, espeta a ponta do guarda-chuva na vagina da miúda que estava a saltar.
Felizmente a calcita era forte e evitou a penetração, sendo contudo necessário levar a criança ao hospital porque derramou ainda umas gotitas de sangue. Foi um susto muito grande, que só passou quando no hospital nos disseram que o sangue foi resultante apenas de um arranhãozito.

Claro que o encarregado de educação do aluno foi chamado, mas ainda soube responder-nos, que se as meninas queriam jogar ao elástico não deveriam andar de saias, porque “quem anda à chuva molha-se”.

OUTRA:

Como já disse noutro episódio, os pais de Famalicão gostavam muito de presentear os professores, uma grande parte das vezes por amizade, mas outras para “comprar” uma nota, ou uma passagem de ano.

Certa vez quase no final do 3º período, recebi um pai de uma aluna da minha direcção de turma, que vinha inteirar-se das notas da filha.

A criança, que teria talvez uns 12 anos, além de não ser demasiadamente inteligente, era também muito distraída e com muito pouca força de vontade pelo que o seu aproveitamneto era mesmo muito fraco.

Tinha eu, como disse, posto ao corrente o pai de toda a situação e o senhor continuava a implorar-me que fizesse algo por ela. Ela precisava de passar e ….
implororu, implorou ...

Embora eu explicasse que ela era ainda novinha e que certamente iria ser muito mais proveitoso atrasar um ano em termos de sucesso futuro, o senhor não desarmava.

Por fim estendi a mão para me despedir.

Quando apertei a mão senti entre as duas mãos um papel amarrotado. Felizmente de imediato me consciencializei do que se tratava. Abri repentinamente a mão e deixei que o dito papel caisse por terra.

Era, nem mais nem menos uma nota de 100$00, dobrada em quatro.

O senhor ficou apavorado, até porque se tratava de uma passagem com muita gente e pior ainda ficou quando o olhei nos olhos e lhe disse que dali em diante não voltaria a recebê-lo. Quando precisasse de alguma coisa deveria dirigir-se ao Conselho Executivo.

A menina chumbou, não pelo acontecimento em si, mas porque na realidade não havia nada a fazer.

E AINDA OUTRA:

Esta vai quase na mesma linha do anterior, mas não foi passado comigo e revestiu-se de um carácter mais cómico.

A minha colega A... teve uma reunião com o pai da aluna no meio do 3º período e disse-lhe que a menina estava muito fraquinha e que só se ela fizesse um esfoço muito grande se poderia inverter a situação.
O senhor agradeceu a informação e disse-lhe que contava com a colaboração dela.

A minha filha disse o senhor, irá esforçar-se o máximo e eu irei dar-lhe todo o apoio para que ela consiga subir as notas

O período terminou e a aluna continuou com as notas quase todas negativas e acabou por chumbar.

Quando as notas foram afixadas, apareceu o pai para ver as notas na pauta e, supomos, convencido de que a boa vontade e ajuda da professora a teriam levado ao sucesso, foi munido da “dita prenda” para o agradecimento.

E qual era a prenda? Nada mais nada menos que um presunto.

Ao ver que a menina tinha chumbado, com enorme desilusão e desespero chamou a professora e começou a correr atrás dela pelo recreio da escola para lhe bater com o presunto.

Foi hilariante!

O Presidente do Conselho Executivo, punha a cabeça de fora do gabinete e perdido de riso chamava o funcionário.
O funcionário não aguentava a cena e pedia ajuda a outros.
Assim se passaram pelo menos 10 a 15 minutos, que terminaram apemas quando uma colega nossa abriu a porta do carro para a Arminda entrar e abalou.

Ainda hoje ao descrever esta cena, me perco a rir.

E PARA TERMINAR:

Mas um dia aceitei …
Tinha um aluno com 16 anos já feitos, a frequentar o 6º ano pela 4ª vez sem qualquer hipótese de passar porque apresentava graves deficiências a nível psicológico e intelectual.
Não tinha pais e vivia com uma avó muito velhinha que já mal se arrastava que olhava não apenas por ele e mais três irmãos.
No final do ano o Conselho de Turma ponderou a situação e entendeu ser muito mais proveitoso que o aluno ficsse com o 6º ano e conseguisse empregar-se, aprender uma profissão e ajudar no sustento da casa.

Passámo-lo!

Quando a avó veio ver as notas, quis falar comigo, porque era a directora de turma e pediu-me para aceitar aquele paninho para fazer uma blusa. Se a senhora não aceitar, dizia ela, nem vou conseguir sorrir perante as notas do meu neto.

E eu peguei, porque a humildade e a gratidão daquela oferta comoveram-me.
Era uma chita preta com florzinhas vermelhas, cor de rosa e folhinhas verdes.

O que fiz a este tecido???
Dei-o?
Não!

Hoje quando me lembrei deste episódio, resolvi ir ao baú dos retalhos e ele lá estava.

Certamente vou agora aproveitá-lo para fazer com os meus “albergados” umas florzinhas em pano para o Dia da Mãe.
Se conseguir, farei um post com elas e recordarei o sentido de justiça e humanidade com que trabalhávamos e pensávamos nos alunos caso a caso.

Não havia nas escolas a pressão de que hoje tanto se fala e era possível pensar a educação como um caminho e não como um fim sem vista.


Licas

11 comentários:

Teté disse...

Começo por dizer que gostei da musiquinha suave!

Quanto ao resto do post, tenho a opinião de que a educação começa em casa. Que raio de pai era esse que dava vinhaça ao puto logo de manhã (sopas de cavalo cansado?) e achava que as miúdas que "andam à chuva molham-se"?

Nunca tive ideia que os professores pudessem ser comprados, com bom, mau ou feitio assim-assim, nem que se deixassem envolver por graxas da parentela. Uma nota num aperto de mão? Fizeste bem em deixar cair!

Não consigo achar tanta graça ao outro que andou a correr atrás da professora Arminda empunhando um presunto, porque o princípio parece-me ser o mesmo (comprar a professora), embora a situação em si deva ter sido bastante ridícula!

Já a avó é outra coisa, miúdos a passarem por decisão do conselho de turma tem havido muito mais, uns para poderem ir trabalhar, outros porque a escola não vê outra maneira de "expulsar" elementos nocivos.

Beijinhos, Licas!

ARTISTA MALDITO disse...

Olá Isabelinha

Depois do que a Teté disse, pouco posso acrescentar, apenas que o modo como terminou estas histórias foi comovente e tem toda a razão quando diz que hoje há demasiada pressão sobre os professores. Dos Pais e do Ministério.

Quem se vai prejudicar é esta geração de semi-analfabetos.

A escola é mesmo um caminho, uma porta de entrada no mundo racional.

Beijinhos
Isabel

Maria Emília disse...

De vez em quando estas histórias da nossa vida passada vêm-nos à cabeça. Que bom termos amigos com quem as partilhar. Que ternura a da avó. Quero ver o que vai fazer com essa chita depois de todos esses anos. A vida vista assim é bonita, não é?!!
Um beijinho,
Maria Emília

Sónia Costa disse...

Mas que histórias daqui da minha cidade!
Essa do presunto...Aqui, quando queremos gozar com esses favores, dizemos sempre que fulano devia ter dado um presunto.
Mas nunca tinha visto um caso real.
Bj

BC disse...

Mais duas histórias tão ilustrativas da maneira de ser de algumas pessoas e a maneira como actuam, e a maneira tão sublime como as conta.
Um beijinho
Isabel

gisela disse...

ola licas,sei, ando desaparecida,mas o tempo é tao pouco... bem vim desejar bom fim de semana

ELSA disse...

Olá sou a Elsa, vim fazer-te uma visita.
Peço desculpa não comentar o conteudo do post, para mim, em serviço,ler posts longos, não se torna fácil.
Volto um dia com mais tempo.
Um bom F de SEMANA
Beijokas
Elsa

BC disse...

Licas Bom fim de semana, bom feriado_______________espero que tudo esteja melhor por aí.
Eu este fim de semana fiquei por cá________________o Diogo foi até à holanda e o Gonçalo foi para o Alentejo.
Para o próximo em princípio vou eu logo na sexta de manhã para baixo.
Beijinhos
Isabel

Tite disse...

Licas,

Que bom que voltaste ao registo que me fixou no teu espaço.
Claro que adorei ler-te e reler-te.
Estes episódios fascinam-me e nem vou comentar o com que era ser professora nesses tempos quando comparados com os actuais.

Mas bom, bom é nós rirmo-nos com estes episódios como experiências de vidas passadas.

Beijarocas e bom FdS

fj disse...

eu nem sequer vou dizer a que me fez rir...posso ser mal interpretado ;)
100$oo era o preço de um simples almoço.
O sr encarregado de educação, apenas quis ser simpático e evitar que a prof almoçasse junto dos alunos.
beijinhos

Ps: até podia tirar daqui o 8º problema para resolver lá nas blogolimpiadas.pensando melhor,talvez seja melhor colocar a duvida colocada pelo Sr. Anónimo

Clarissa Oliveira disse...

Os pais fazem coisas que até Deus duvida!!!
Lembrei-me com emoção da bricadeira de elástico, que fez muito feliz meus dias de menina e tinha ficado esquecida!
Gosto muito das suas histórias. Aprendemos muito com elas.
Beijos...